Arnaldo Rabelo

05 janeiro 2009

A multiplicação das marcas

A Hypermarcas, criada pelo ex-dono da Arisco, avança no mercado das multinacionais criando - e espalhando - logotipos de sucesso

(Ana Luiza Herzog)

Desde que comprou a fabricante de palhas de aço Assolan, em 2002, o empresário goiano João Alves de Queiroz Filho, o Júnior, vem trabalhando para transformar sua empresa - hoje chamada Hypermarcas - numa das companhias brasileiras de consumo de massa. Com faturamento de 1,1 bilhão de reais em 2007, a Hypermarcas tem hoje um portfólio com mais de 160 marcas e 1 500 produtos - de desodorantes a molho de tomate. Em março, Júnior dará mais um passo numa trajetória que, invariavelmente, avança sobre o espaço de alguns dos maiores grupos de consumo do mundo. A Hypermarcas vai lançar lâminas e aparelhos de barbear, um setor dominado pelas multinacionais Procter & Gamble e Bic, que têm, juntas, cerca de 54% de participação. Para entrar nesse mercado, que movimenta mais de 1 bilhão de reais por ano, Júnior apoiou-se na crença de que seu grupo tem marcas já suficientemente fortes para sustentar a expansão. As lâminas, por exemplo, terão o endosso do logotipo da Bozzano, uma das mais tradicionais marcas brasileiras de cosméticos masculinos, adquirida pela Hypermarcas há seis meses. "Na cabeça do consumidor, essa não será uma lâmina qualquer, mas uma Bozzano, que é sinônimo de marca para homem", afirma o paulista Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas. Por trás da frase de efeito está uma estratégia que vem sendo o grande motor da expansão da companhia: a prática de colocar sob o guarda-chuva de uma marca já reconhecida pelos consumidores uma miríade de itens - muitas vezes de diferentes categorias - que tenham afinidade com o produto que originalmente a consagrou.

Ainda que não seja uma novidade, a chamada extensão de marcas nunca esteve tão em voga. Segundo uma pesquisa recente da Troiano Consultoria de Marca, 81 de cada 100 produtos novos que hoje estão nas gôndolas do país pertencem a marcas já conhecidas. Em 2005, eram 77. Nos Estados Unidos, considerado o mercado de consumo mais maduro do mundo, essa relação é de mais de 90 produtos para cada 100. O que explica esse fenômeno é o crescente temor que os executivos de marketing têm de que uma marca criada do zero não vingue. Estima-se que uma empresa americana gaste, no mínimo, 250 milhões de dólares em marketing para que uma marca nova conquiste, ao longo de cinco anos, uma modesta participação de mercado de 5%. Em contrapartida, estudos mostram que colocar nas prateleiras um produto com a chancela de uma marca já consagrada custa, em média, 20% menos. Como numa espécie de efeito dominó, a cada nova extensão os gastos com marketing seriam reduzidos em outros 20%.

É justamente nessa economia de escala que os executivos da Hypermarcas apóiam sua estratégia. A primeira experiência se deu com a palha de aço Assolan. Comprado da Unilever há seis anos, o produto rapidamente foi relançado com uma agressiva campanha de marketing. Em 2003, quando comemorou a conquista de quase 25% de participação de mercado - ameaçando a hegemonia da líder Bombril -, a marca começou a ter os primeiros filhotes. "Com a ajuda de pesquisas, percebemos que a Assolan já estava forte o suficiente para batizar outros produtos", afirma Bergamo. Foram então lançados 14 itens, como esponjas, saponáceos e detergentes. Todos, porém, nutriam um elo com o produto original: eficiência para acabar com a sujeira na cozinha. Hoje são 63 itens de limpeza em 18 categorias diferentes (incluindo as que levam o logo Assim, espécie de subdivisão da marca Assolan, criada para abrigar produtos de limpeza para ser usados no resto da casa, como sabão em pó, desinfetantes e detergentes).

Apesar da multiplicação acelerada, a estratégia é encarada na Hypermarcas de forma quase simplista. "Ela é forte? Tem um atributo claro aos olhos do consumidor? Então, basta descobrir que outros produtos afins podem carregá-la e pronto", afirma Bergamo. Depois de definidas as possibilidades, é hora de dar um choque de publicidade nos lançamentos - uma estratégia que Bergamo aprendeu nos quase dez anos de trabalho direto com Júnior. Só em 2009, a Hypermarcas vai investir 250 milhões de reais em marketing. A verba é administrada dentro de casa. Desde que adquiriu a DM Farmacêutica, em meados de 2007, que tinha sua própria agência de publicidade, a empresa produz todas as suas campanhas publicitárias internamente. E não é pouca coisa: a cada mês, no mínimo três comerciais novos estréiam em canais de TV e estações de rádio. "Com isso, reduzimos custos e ganhamos mais agilidade", afirma Bergamo. Com essa estrutura, Júnior tem autonomia para interferir ainda mais na linha dos comerciais - algo que, desde os tempos em que era dono da Arisco, ele gosta de fazer. "Ele criou fórmulas das quais não abre mão e que, aparentemente, funcionam", afirma um publicitário amigo do empresário. Para começar, poucas campanhas da Hypermarcas dispensam o uso de celebridades consagradas, como Xuxa, Antônio Fagundes e Pelé. "Depois da Globo, somos de longe o maior empregador de artistas famosos do país", diz Bergamo. Além disso, Júnior consegue identificar modismos que podem ajudar a aumentar as vendas da companhia. Em 2005, por exemplo, quando a música Festa no Apê, do cantor Latino, se tornou um sucesso nas rádios de todo o país, Júnior teve a idéia de fazer o mascote da Assolan dançar ao som de uma paródia da melodia, em horário nobre da TV Globo. A partir de janeiro, também por sugestão de Júnior, a nova contratada para impulsionar as vendas da Assolan é Maisa, a apresentadora mirim que virou a sensação do SBT.

Muito além da palha de aço

A despeito da trajetória bem-sucedida da Hypermarcas até agora, a estratégia esconde riscos para as empresas. "Um dos mais freqüentes é a vaidade, que faz com que alguns executivos acreditem que suas marcas podem simplesmente dar nome a absolutamente tudo", afirma o consultor Jaime Troiano. Prova de que não são poucas as que caem na emboscada é que, todos os anos, a consultoria Tipping Sprung, em parceria com a revista americana Brandweek, publica uma lista com as extensões de marca mais desastrosas lançadas naquele período. Entre as que já figuraram no ranking do passado estão um kit para confeitar bolos da Harley-Davidson, comidas congeladas da Colgate e roupas íntimas descartáveis da Bic. "A tentação é realmente grande e é preciso ter muita cautela", afirma Jumar Pedreira, gerente de marketing do J. Macêdo. O grupo nordestino tem um dos melhores exemplos nacionais de extensão de marca com a Dona Benta - que nasceu como farinha de trigo, em 1978, e hoje abriga 40 produtos em cinco categorias. Ainda assim, a marca não passou incólume pelos fracassos ao lançar, em 2006, uma gelatina diet. "Quem compra Dona Benta quer prazer à mesa e, enquanto a marca tiver esse atributo, nada diet ou light faz sentido", diz Pedreira. A Hypermarcas ainda não errou, e provavelmente caberá à intuição de Júnior evitar que ela também tenha, no futuro, histórias desastrosas para contar.

Fonte: Exame - 23/12/08

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