Segundo especialistas, país não compete por investimentos com América Latina, mas governos locais devem incentivar indústria para ganhar competitividade e aproveitar chances
Vista como fonte de ameaças comerciais às indústrias dos países latino-americanos, a China começa a ser encarada como fonte de oportunidades, que exigirá adaptação de empresas e governos. Há casos bem-sucedidos de empresas da América Latina que aprenderam a enfrentar a concorrência chinesa, e os governos têm de garantir as condições para que esses exemplos se reproduzam, aponta estudo recém-concluído pelo Centro de Desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que foi divulgado durante o Fórum Econômico Mundial, no México.
Somos da geração de empresários atropelada pela China, ela já destruiu o que podia destruir, comenta o vice-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Juan Quirós, que, amanhã, participa de conferência fechada, no Fórum, sobre o crescimento da China como investidor mundial. A China está se voltando ao próprio mercado interno, e trocando a ênfase na produção de manufaturas pelo foco na produção e exportação de serviços, diz Quirós. É melhor não nos dedicarmos a setores que a China vai enfocar, os serviços intensivos de mão-de-obra, como call centers.
No discurso do setor privado e nos estudos que circulam pelo Fórum Econômico não se nega o perigo representado pela China, para os países da América Latina, mas empresários e analistas começam a explorar maneiras de aproveitar a consolidação do país asiático como motor do crescimento mundial.
A não ser para alguns casos - no México e Colômbia, países muito voltados ao mercado dos EUA - não é verdade que a China esteja em competição com as nações latino-americanas por investimentos, afirma o estudo preparado pela OCDE, dos especialistas Ángel Arroba, Rolando Avendaño e Julio Estrada. Pelo contrário, os tipos de capital que vão para o mercado chinês são diferentes dos que se destinam a países como o Brasil, Argentina ou Chile.
Há indicações de que os investimentos na China são, principalmente, relacionados a transferências de tecnologia, enquanto as firmas locais têm farto financiamento interno. Em contraste, os investimentos destinados à América Latina são atraídos pelos altos retornos, gerados pela escassez de capitais na região.
Outro mito contestado pelo estudo da OCDE é o da vantagem conferida à China pela mão-de-obra barata. Os indicadores econômicos mostram que o grande aumento da produtividade local e farta disponibilidade de capital explicam melhor o êxito chinês do que o custo de mão-de-obra, que vem aumentando. A taxa de investimentos tem se situado em torno de 40% anuais, sem que, como seria de se esperar, tenha caído a taxa de retorno de capital, estável em torno de 20%. Essa estabilidade, para os especialistas da OCDE, mostra a capacidade chinesa de extrair ganhos de produtividade do capital instalado.
A China está se tornando exportadora líquida de capital, isto é, investe crescentemente em outros países, mais do que recebe investimentos, o que nas próximas décadas só beneficiará a região, afirmam os especialistas. O estudo da OCDE também contesta a tese de que o crescimento chinês só beneficia exportadores de commodities, como alimentos, minérios e petróleo, e prejudica fortemente países com manufaturas de menor conteúdo tecnológico.
O estudo reconhece, porém, que o Brasil tem perdido mercado para os chineses entre seus compradores na América Latina. Também alertam os produtores de commodities para a necessidade de políticas que evitem a chamada doença holandesa, a valorização da moeda local capaz de aumentar custos de produção industrial e destruir setores empresariais. Os especialistas listam, porém, exemplos de empresas da região que mudaram suas estratégias de produção, fabricando parte na China, transferindo a produção para mercadorias mais sofisticadas, ou ainda acrescentando etapas em sua cadeia de produção, como a distribuição e marketing.
Um exemplo citado é o da Bematech, empresa paranaense de informática, que transferiu a criação e fabricação de componentes para Taiwan e manteve, com lucro, a montagem, distribuição e venda dos produtos. A OCDE alerta os governos para adotarem políticas mais ativas de incentivo às indústrias, melhorias no campo fiscal e de infra-estrutura, e maior integração entre os mercados, para ganhar competitividade e aproveitar as chances trazidas pela China.
O crescimento do mercado interno chinês é um dos principais fatores a considerar na elaboração da nova estratégia da indústria, afirma Quirós. Além do enorme mercado para soluções de engenharia, o país, ainda que desacelere seu crescimento, tornou-se devorador de alimentos e necessitará investir pesado em energia. As decisões recentes do governo chinês devem derrubar as restrições ao comércio entre províncias do país, o que mudará as perspectivas de empresas com intenção de vender ao mercado chinês, diz ele.
Fonte: Valor Econômico - 16/04/2008
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