Arnaldo Rabelo

17 abril 2008

Estudo vê na China mais oportunidades do que ameaças

Segundo especialistas, país não compete por investimentos com América Latina, mas governos locais devem incentivar indústria para ganhar competitividade e aproveitar chances
Vista como fonte de ameaças comerciais às indústrias dos países latino-americanos, a China começa a ser encarada como fonte de oportunidades, que exigirá adaptação de empresas e governos. Há casos bem-sucedidos de empresas da América Latina que aprenderam a enfrentar a concorrência chinesa, e os governos têm de garantir as condições para que esses exemplos se reproduzam, aponta estudo recém-concluído pelo Centro de Desenvolvimento da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que foi divulgado durante o Fórum Econômico Mundial, no México.

Somos da geração de empresários atropelada pela China, ela já destruiu o que podia destruir, comenta o vice-presidente da Federação das Indústrias de São Paulo, Juan Quirós, que, amanhã, participa de conferência fechada, no Fórum, sobre o crescimento da China como investidor mundial. A China está se voltando ao próprio mercado interno, e trocando a ênfase na produção de manufaturas pelo foco na produção e exportação de serviços, diz Quirós. É melhor não nos dedicarmos a setores que a China vai enfocar, os serviços intensivos de mão-de-obra, como call centers.

No discurso do setor privado e nos estudos que circulam pelo Fórum Econômico não se nega o perigo representado pela China, para os países da América Latina, mas empresários e analistas começam a explorar maneiras de aproveitar a consolidação do país asiático como motor do crescimento mundial.

A não ser para alguns casos - no México e Colômbia, países muito voltados ao mercado dos EUA - não é verdade que a China esteja em competição com as nações latino-americanas por investimentos, afirma o estudo preparado pela OCDE, dos especialistas Ángel Arroba, Rolando Avendaño e Julio Estrada. Pelo contrário, os tipos de capital que vão para o mercado chinês são diferentes dos que se destinam a países como o Brasil, Argentina ou Chile.

Há indicações de que os investimentos na China são, principalmente, relacionados a transferências de tecnologia, enquanto as firmas locais têm farto financiamento interno. Em contraste, os investimentos destinados à América Latina são atraídos pelos altos retornos, gerados pela escassez de capitais na região.

Outro mito contestado pelo estudo da OCDE é o da vantagem conferida à China pela mão-de-obra barata. Os indicadores econômicos mostram que o grande aumento da produtividade local e farta disponibilidade de capital explicam melhor o êxito chinês do que o custo de mão-de-obra, que vem aumentando. A taxa de investimentos tem se situado em torno de 40% anuais, sem que, como seria de se esperar, tenha caído a taxa de retorno de capital, estável em torno de 20%. Essa estabilidade, para os especialistas da OCDE, mostra a capacidade chinesa de extrair ganhos de produtividade do capital instalado.

A China está se tornando exportadora líquida de capital, isto é, investe crescentemente em outros países, mais do que recebe investimentos, o que nas próximas décadas só beneficiará a região, afirmam os especialistas. O estudo da OCDE também contesta a tese de que o crescimento chinês só beneficia exportadores de commodities, como alimentos, minérios e petróleo, e prejudica fortemente países com manufaturas de menor conteúdo tecnológico.

O estudo reconhece, porém, que o Brasil tem perdido mercado para os chineses entre seus compradores na América Latina. Também alertam os produtores de commodities para a necessidade de políticas que evitem a chamada doença holandesa, a valorização da moeda local capaz de aumentar custos de produção industrial e destruir setores empresariais. Os especialistas listam, porém, exemplos de empresas da região que mudaram suas estratégias de produção, fabricando parte na China, transferindo a produção para mercadorias mais sofisticadas, ou ainda acrescentando etapas em sua cadeia de produção, como a distribuição e marketing.

Um exemplo citado é o da Bematech, empresa paranaense de informática, que transferiu a criação e fabricação de componentes para Taiwan e manteve, com lucro, a montagem, distribuição e venda dos produtos. A OCDE alerta os governos para adotarem políticas mais ativas de incentivo às indústrias, melhorias no campo fiscal e de infra-estrutura, e maior integração entre os mercados, para ganhar competitividade e aproveitar as chances trazidas pela China.

O crescimento do mercado interno chinês é um dos principais fatores a considerar na elaboração da nova estratégia da indústria, afirma Quirós. Além do enorme mercado para soluções de engenharia, o país, ainda que desacelere seu crescimento, tornou-se devorador de alimentos e necessitará investir pesado em energia. As decisões recentes do governo chinês devem derrubar as restrições ao comércio entre províncias do país, o que mudará as perspectivas de empresas com intenção de vender ao mercado chinês, diz ele.

Fonte: Valor Econômico - 16/04/2008

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