Arnaldo Rabelo

02 março 2007

Isto é só Marketing

(por Lourival Stange)

"...Não se pode, ainda, chamar virtude o matar os seus concidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem religião; tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória...."

Trecho de Nicolau Maquiavel, em seu livro "O Príncipe", um presente e sua introdução ao Príncipe de Veneza, Lorenzo de Médici, 1516.


Nessas andanças entre empresas, sempre trabalhando com marketing, tenho ouvido a frase que dá título a este artigo, no sentido de não ser totalmente a verdade o que se fala de produtos, serviços ou empresas, mas sim o que o público quer ouvir. Trocando em miúdos, falam-se mentiras para vender mais.

Marketing é, em grande parte, a arte de se comunicar com os diversos públicos com os quais nossos produtos e/ou empresas se relacionam, falando uma linguagem específica para cada um desses públicos. São os consumidores diretos e indiretos, os indicadores ou especificadores, os influenciadores, os pagadores e o público interno da empresa, entre outros.

Mas se marketing é também a arte de se comunicar, o que deve ser comunicado? Para se saber o que comunicar é preciso, antes de tudo, se preparar para falar a verdade, jamais enganar, jamais iludir. Marketing é a arte de falar a verdade, toda a verdade, para os públicos-alvo escolhidos. Mas é possível falar a verdade sempre? Sempre é possível, desejável e, se assim não for, é punível, pelas leis do País, pela auto-regulamentação da propaganda (Conar) e pelo afastamento do consumidor quando descobre que foi enganado, em um boca-a-boca devastador.

Marketing, se de um lado é comunicar-se adequadamente com o público, de outro é uma ciência que estuda o comportamento do consumidor, determina que características do produto ou empresa são adequadas a esse público e comunica a esse segmento de mercado, para o qual essas características, já na forma de benefícios, fazem sentido para seu estilo de vida.

Um bom exemplo é a comunicação feita nas embalagens e na publicidade de alimentos para crianças na faixa etária até os dez anos. Não faz sentido dizer para elas que o produto tem vitamina B. Isso é conversa para adultos. Não faz sentido para elas dizer que ajuda a produzir ATP, novamente linguagem de adultos, que compram por isso, mas, acreditem, compram principalmente porque as crianças querem (insistem em) "ficar fortes" e "ter energia" (radical), o que vem realmente da vitamina e da criação de ATP. Não há mentira, e sim adequação da linguagem. Os pais são responsáveis pela compra, consumidores indiretos e pagadores, enquanto as crianças são consumidoras diretas e influenciadoras.

Portanto, não se pode dizer "isso não é a verdade, é só golpe de marketing" quando a linguagem está correta, o público-alvo bem escolhido, o produto adequadamente posicionado para esse público, toda a estrutura interna pronta, todas as pessoas internas são conhecedoras da estratégia e táticas a serem utilizadas e o que se comunica é respaldado pelas características do produto ou empresa. Entretanto, alguns programas de marketing desatualizados e desatentos com a realidade acabam ficando como aqueles "reclames" (há alguns fantásticos) que falavam meia verdade ou falseavam informações, nos tempos da minha avó e acabaram por ajudar a difundir a idéia de que marketing é feio, não se deve fazer, só serve para aumentar o consumo do que não é bom. E, ainda, acaba ajudando a alardear que o que é bom não precisa de marketing.

Um exemplo do que é fundamental para a saúde humana e que precisa de intenso marketing é o uso de preservativos. Todos sabem que eles existem, mas poucos os utilizam, especialmente os mais velhos. Vocês podem imaginar que sem marketing teríamos um número muito mais expressivo de contaminação por HIV do que temos hoje. Portanto, para se garantir o uso constante e adequado do produto, marketing é de fundamental importância.

Marketing é responsabilidade, é lidar com a expectativa do consumidor, que jamais deve ser frustrada. Marketing é falar ou comunicar a verdade com a linguagem adequada ao público com o qual estamos nos comunicando. Marketing é passar confiança, confiabilidade, segurança e adequação. Há quem tenha medo e esconda a verdade, como fez a Exxon no episódio do petroleiro Exxon Valdez, que derramou óleo cru no Alasca em 1989. Como conseqüência, perdeu fortemente valor das ações, foi julgada e condenada a pagar indenizações milionárias e perdeu credibilidade, ainda não reconquistada totalmente 18 anos depois, por sucessivas mentiras e meias verdades.

Outros preferem a verdade, como a Johnson&Johnson, no episódio do envenenamento do Tylenol com cianeto, em 1982, matando pessoas em Chicago. A Johnson recolheu 32 milhões de embalagens no país inteiro em três dias, admitiu o envenenamento e que a embalagem não era inviolável. Perdeu mercado e dinheiro, mas disse a verdade. Modificou embalagens, ajudou as vítimas e, em um ano, voltava a ter 35% de participação no mercado americano como na época do episódio. Hoje o Tylenol é um dos analgésicos à base de paracetamol mais vendidos no mundo todo e a empresa continua sendo sinônimo de qualidade e credibilidade. O marketing, entendido como comunicação e ação de forma estruturada, foi fundamental para essa reconquista.

Ler Maquiavel, tanto em O Príncipe quanto em uma ressentida análise do povo francês intitulada Da Natureza dos Franceses, nos fará ter a plena consciência de que Nicoló Machiavelli jamais concordou com a frase "os fins justificam os meios". Também nos ajudará a entender a importância da verdade falada com a linguagem adequada ao público-alvo (no caso de Maquiavel, os príncipes) e com as ações planejadas e estruturadas no tempo e em função da sua cultura e estilo de vida.

2 comentários:

Paulo Peres disse...

Excelente post, Arnaldo. Achei um exemplo de exercício da verdade, da Johnson & Johnson. A reputação hoje em dia, é um dos grandes pontos de diferenciação entre grandes marcas. que no futuro se dividirá em: empresas q falam a verdade (e/ou tem valor agregado alto aos seus produtos) e aqueles preocupados apenas com o preço baixo, o varejão.
Realmente o marketing ainda é um ponto de contato importante para a manutenção da verdade nas empresas.
Abraços

Anônimo disse...

quanto ao post, o que tenho a acrescentar é que como voce mesmo disse, marketing é a comunicação; os valores e ideias da empresa devem estar subendidos no formato e no texto.
aumento de vendas é consequencia de um trabalho bem feito, e nao ao contrario. se vpoce mente pára vender mais, venderá enquanto a ação durar, mas os resultados disto serão catastroficos a posteriori.
Sua referencia à maquiavel, e a verdadeira percepçao do pensamento maquiaveliano, mostra que és um profissional versátil e atento. Parabens!